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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Era uma vez...

A cor da noite aparece. Os sons da noite misturam-se aos seus. O corpo cansado rapidamente procura moldar-se à horizontal oferecida pela cama. Braços estendem-se ao longo de seu eixo, pernas esticadas em breve afastamento. Em movimentos suaves o conjunto busca acomodação roçando lençóis, deslizando sinuosamente sobre o colchão macio e ainda fresco, numa espécie de cerimonial de introdução. Toda a superfície do tronco toca o leito enquanto pescoço e cabeça passeiam ainda pelo travesseiro, como gato que se encaixa no colo do dono, deixando-se moldar. Ah, bem vindo e merecido descanso !... Venha !

Termômetros adentram a noite marcando menos. A temperatura cai pedindo adendo de cobertas, soma de calor. Ao menos uma manta há de ser convidada à cama, companheira certa, ainda que espere um pouco a consumar o encontro.

O quentinho gostoso da sopa que antecedeu o deitar se faz sentir. Começa a subir, irradiar, tomando além do abdome, transferindo-se à superfície. É possível sentir a pele morna e a descontração muscular. A massa corpórea parece mais densa: o corpo "pesa" antes de perder-se. E a sensação de fadiga vai sendo, então, pouco a pouco trocada, substituída por leveza, até que ser e leito são um só.  

O vento penetra pelos orifícios das persianas, pelas frestas das portas, entre vidros e junto ao chão, pelos vãos das janelas...  assoviando em tons agudos, desenhando melodias delicadas qual canto de sereia em chamamento ao encanto.

E ele fechou os olhos. Simplesmente deixou cair as pálpebras, quase sem comando. Cedeu aos apelos físicos após certa luta por alongar um pouco a vigília. Quantos afazeres e assuntos ainda pendentes, quanto ainda insistindo em tomar a pauta mental !... O corpo empreendeu mudança de ritmo, no entanto, instalando  um modo intermediário de funcionamento, uma espécie de latência ou fase de refrigeração antes do off  "final".

É quando pensa-se sem pensar: sem alvo ou tema definido. É quando ouve-se sem ouvir, ao longe... como em sonho, sem sono profundo. Enquanto a carne se solta a mente se apronta para empreender viagem. Põe-se em linha de largada a caminho de aventura inconsciente e destino desconhecido. Só sabe do antes... de que mal se lembra agora. Nada antevê do depois.

Fez-se o cenário, iniciou-se a peça. O personagem deixa-se conduzir sem controles, sem rédeas. É então passageiro de si mesmo mas não sabe para onde segue. Anseia por recompensar-se, recompor-se, abastecer-se para prosseguir. Gostaria de dormir bem, sonhar, despertar melhor para realizar sonhos. O que podia fazer - nesse dia - já fez, está feito.

Assim Antônios, Marias... Paulos e Margaridas encerram suas atividades diárias. Desse modo fecham jornadas todas as noites os Ricardos, Beneditos... e Silvanas. Dessa maneira inauguram novas empreitadas, novos ciclos, também permitindo-se levar, conduzir... já que o controle pleno da vida é ficção.

Assim era uma vez a estória de cada um... a cada vinte e quatro horas de existência.